Os impactos da pandemia na sociedade: necropolítica e economia


Autores: Acimar Magalhães; José Henrique Monteiro; Naiane Gonçalves. (Grupo 06)

O presente texto tenta elaborar uma rápida reflexão em torno do tema economia frente à realidade pandêmica que o Brasil e o mundo atravessa por conta do Covid-19. Sob uma lógica simples de política humanizada para a vida, parece razoável afirmar que o Brasil ao tentar salvar a economia à qualquer preço, frente ao Coronavírus,  preço esse que sacrificou cem mil pessoas, acabou além da perda inestimável dessas vidas, não dando conta de equilibrar a realidade socioeconômica da grande massa,  uma vez que é incomum e altíssimo o número de desempregados e vulneráveis diante do atual contexto. Um exemplo é o caso dos imigrantes que buscaram o Brasil, mais especificamente Cuiabá – MT como uma forma de reconstruir suas vidas.  Esse fluxo migratório que já apresentava problemas antes da pandemia, se tornou mais grave com o fechamento de muitas empresas que abriam as portas para esse público. Fato mais agravante ainda a considerar é que a maioria desses haitianos se encontravam em condições de sub empregos, sobrevivendo de doações conseguidas a dura custa no semáforo das avenidas, esmolas, e /ou auxílios de pastorais e grupos de voluntariados. Com o afastamento social essa forma de sobrevivência sofreu alteração significativa, onde esse grupo poderia estar representando um seguimento de transmissão considerando a precária consideração de higiene e a ausência de insumos de proteção, desta forma constata –se a situação desesperadora e de incertezas. Não se percebe preocupação política, social quanto a esse pequeno grupo.

Se as vidas e o bem-estar da população estivessem em primeiro lugar nos critérios valorativos da atual gestão, teríamos alcançado o número de cem mil mortes? Parece que ao tentar poupar a economia nacional de modo cego e perverso, o governo perdera o controle de ambos os lados: sacrificou vidas e não deu conta de impedir que milhares de pessoas atravessassem essa considerável vulnerabilidade socioeconômica, onde tal realidade parece não aplicável as elites, pois:


O Estado surge com esse papel repressor de favorecimento de uma classe, e essa classe era e, é a classe capitalista, sua ação produz mais-valia (mais valor) para as empresas, diz Marx: A burguesia nascente precisava e empregava a força do Estado, para “regular” o salário, isto é comprimi-lo dentro dos limites convenientes à produção de mais-valia, para prolongar a jornada de trabalho e para manter o próprio trabalhador num grau adequado de dependência (MARX, 2014, p. 859).

            A partir disso é possível pensar que os valores desse sistema de governo são invertidos e distorcidos, visto que, se outrora houvesse investido esforços em pró da prevenção e poupabilidade de vidas desde o início, quando a Covid-19 ainda não era realidade no contexto do pais, jamais teríamos a infelicidade de atravessar tamanho enlutamento e consequentemente a insegurança e instabilidade das minorias, a exemplo dos moradores da favela, etnias originárias, imigrantes, entre tantos outros. Portanto, torna-se inevitável pensar o quanto a lógica perversa da necropolítica possui interesses de domínio e lucratividade através do caos e da morte.


Soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder. (MBEMBE, 2016, p. 123).

            Tal lógica dissimulada, sempre lucra, pois promove as infelicidades e desgraças sociais com o dinheiro da própria população (impostos e anos de trabalho) que pagará a conta duas ou até três vezes, incluindo o pagamento com a própria vida, sendo o motor que impulsiona e financia tal ciclo necropolítico é a própria morte dessas vítimas; afinal, conforme aponta Moraes (2020):

 

O bandido que ele deseja matar tem endereço certo. Mora nas favelas, periferias e nas florestas. Trata-se de um desejo racista e de classe. Seu amor pela morte é colonialista, pois busca aniquilar negros, indígenas, pobres e seus descendentes (MORAES, 2020, p. 3).

 

É fato que o novo coronavírus tem infectado centenas de milhares de pessoas e derrubando a economia pelo mundo todo, onde o comércio é um dos principais setores atingidos pela crise, a situação de vulnerabilidade das pequenas empresas que segundo IBGE aponta que em torno de 7000 mil pequenos negócios enceram em definitivo suas atividades em consequência da pandemia, isto levando em consideração até a primeira quinzena de junho. Há de se considerar que isso representa em torno 98,4%, sendo que pouco mais de 2% das empresas medias enceram suas atividades e não há registro de nenhuma grande empresa. De acordo com a antropóloga Lilia schwarcz, o Brasil é o País campeão no quesito desigualdade social, a pesquisadora enfatiza ainda, como a periferia fica muito mais vulnerável perante a pandemia, pois grande parte da população dessas regiões, se enquadra na categoria de trabalhadores informais. O Brasil é marcado pela alta taxa de informalidade, tendo em vista que a falta de respaldo legal que garanta os direitos trabalhistas, é o principal problema dessa categoria, assim, muitos trabalhadores informais ficam sem acesso à rede de proteção social. Outra questão que chama atenção, principalmente nesse período com as recomendações de isolamento social, onde apenas os serviços essenciais continuariam funcionando, ou pelo menos era para ser assim, são as empregadas domésticas que mesmo diante do quadro alarmante de contágios, não conseguiram se isolar, isso porque, muitos empregadores, “patrões” exigem a presença dessas pessoas para realizar seus trabalhos domésticos. Um exemplo recente é o caso da trabalhadora doméstica Mirtes Renata Souza que perdeu seu filho Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos de idade na cidade de Recife, quando estava em seu horário de expediente, o filho da trabalhadora caiu do nono andar do prédio em que a mãe trabalhava, ao ser negligenciado pela empregadora, aos cuidados de quem fora deixado. Mesmo diante de uma pandemia, a empregada doméstica não tem o direito de cumprir o seu isolamento social, tendo que levar o seu filho ao local de trabalho. Muitas pessoas estão morrendo por não poder se dar “ao luxo” de cumprir o isolamento social, e não precisamos ir muito longe para enxergarmos isso, basta olharmos para os bairros periféricos de Cuiabá, ônibus lotados, pois é a periferia que se desloca para ir até os luxuosos condomínios realizar trabalhos domésticos, ou os trabalhadores de comércios como: supermercados, farmácias, postos de gasolinas, entre outros.

Definir quem vai morrer ou quem vai sobreviver, faz parte de um conjunto de políticas de controle social através da morte, como define o filósofo camaronês Achille Mbembe. E dentro desse contexto no qual estamos vivendo do novo coronavírus, como o necropoder atua sobre os mais vulneráveis? O político Luiz Fernando Mainardi, em seu depoimento, defende que temos que exigir do governo políticas de proteção as pessoas, pois em primeiro lugar está a vida, enfatiza ainda, que a economia sem dúvidas vai ser diferente depois da pandemia, os Países vão se endividar, mas a economia se recupera, e vidas não se recuperam mais. Quais os ganhos e lucratividades que os necropolíticos obtiveram e continuam obtendo para lançarem venenos como: “e daí?”; “É só uma gripezinha”? Eis aí as bases filosóficas e cínicas da indústria da morte a qual aparentemente se põe fraterna enfatizando a “sagrada família” e “Deus acima de todos”, mas, no final diabolicamente lucra e se safa, dado que: “todos nós vamos morrer um dia”.

 

Referências Bibliográficas 

BERTH, Joice. Mobilização de Comunidades é o resultado do abandono
político. Portal Geledés, 2020. Disponível em:
https://www.geledes.org.br/tag/joice-berth/ Acesso em 16 de agosto de 2020.

DE MORAES, W. “A necrofilía colonialista outrocída no Brasil”. Revista Estudos Libertários, vol. 2, n. 3, 2020.

MARX, K. O capital: Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2014.

MAINARDI, Luiz Fernando. A economia se recupera. Vidas não se recuperam mais. Jornal Minuano, ano 26, numero 6558.

http://www.jornalminuano.com.br/noticia/2020/03/28/a-economia-se-recupera-vidas-nao-se-recuperam-mais-alerta-mainardi/ Acesso em 16 de agosto de 2020.

MBEMBE, A. “Necropolítica”. Arte & Ensaios, Revista do PPGAV/EBA/UFRJ, n. 32, dezembro 2016.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. De Perto Ninguém é Normal (ou o Novo
Normal). Gama Revista, 2020. Disponível em:
https://gamarevista.com.br/sociedade/de-perto-ninguem-e-normal-ou-o-novo-normal/ Acesso em 16 de agosto de 2020.

 

 

Comentários

  1. Puderam relacionar economia dentro de uma perspectiva humana. Parabéns.

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  2. Muito bom ponto de observação do tema. A necropolítica vinha se mostrado cada vez mais nítida e presente nos nossos dias, e a pandemia escancarou mais ainda esse viés.

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  3. A pandemia por vários fatores, gerou um grande contingente de desemprego, afetando a todos. Brasileiros e imigrantes que aqui chegaram, juntos buscam por uma nova forma de sobrevivência.
    Em suma, a pergunta é: Se priorizássemos nossas vidas, cumprindo o aconselhamento da OMS para o isolamento social desde o início da pandemia, será que o Brasil chegaria a 100 mil mortes? – Provavelmente não.
    Muitas empresas fecharam as portas, e com isso a economia cai, buscam alternativa como home office, vendas online, surgem novos empreendedores.

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  4. muito interressante comentar sobre esse pequeno grupo, pois muitos se encontram em situação de vunerabilidade social, economica e sanitária, e em um momento de pandemia eles acabam ficando ainda mais vuneráveis e em situações de risco

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  5. Excelentes conexões e atenção às fontes atuais. A abordagem do tema me parece extremamente necessária em textos acadêmicos. Parabéns ao grupo!

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