Um possível olhar sobre os atravessamentos econômicos causados pela Covid-19

Alex Paulo Teixeira de Souza

Eliene Londero

Glaucos Luis Flores Monteiro

Walker de Barros Dantas

 

 

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estática (IBGE) divulgou no dia 14 de agosto de 2020 em sua edição semanal do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) que milhões de cidadãos brasileiros perderam seus postos de trabalho devido aos efeitos severos que o novo coronavírus (COVID-19) vêm causando em nossa economia. De acordo com Barros:

“Pelo menos três milhões de pessoas ficaram sem trabalho devido à pandemia, mostra a edição semanal da PNAD COVID19, divulgada hoje (14) pelo IBGE. A taxa de desocupação chegou a 13,7% na quarta semana de julho, atingindo 12,9 milhões de pessoas. Na primeira semana de maio, quando a pesquisa teve início, 9,8 milhões estavam sem trabalho” (BARROS, 2020).

Esse aumento significativo no número de brasileiros que perderam os postos de trabalho é resultado das inúmeras repercussões econômicas que a pandemia (COVID-19) está projetando no cenário econômico mundial, entre elas, as repercussões de natureza transescalar e intertemporal, conforme explica o economista e cientista político Elói Senhoras:

“Os impactos do novo coronavirus (COVID-19), claramente, possuem repercussões econômicas assimétricas, tanto, de natureza transescalar, quanto, de natureza intertemporal, gerando assim efeitos de transmissão que ressoam no espaço e no tempo de modo distinto conforme o grau de sensibilidade e vulnerabilidade macroeconômica dos países e microeconômica das cadeias globais de produção e consumo” (SENHORAS, 2020, p. 39).

Dessa forma, o Brasil sendo um país ativo nas relações econômicas globais, no qual, celebra acordos comerciais com inúmeros países ao redor do mundo, não escapou do quadro de vulnerabilidade econômica que a globalização está sustentada. Nesse cenário, encontramos dois pólos – o primeiro é relacionado aos investidores (empresários e executivos de multinacionais), esses personagens prezam pelo capital e o lucro, e buscam estabelecer suas empresas em territórios transnacionais da melhor forma possível:

“Os investidores, donos das empresas, tomam as decisões importantes não estando presos à localidade, visam o lucro e a expansão de sua atividade econômica. Investidores, empresários e empregadores não se vinculam nem ao local nem às pessoas do local. Não estão presos aos limites físicos nem a qualquer tipo de laço. Nada os prende, os limita. A localidade escolhida para a implantação do estabelecimento para fins econômicos se presta exclusivamente para servir à intenção extrativista. Ou seja, o interesse é usufruir daquilo que a localidade oferece, sua posição geográfica, riquezas naturais e mão de obra, sem oferecer quase nada em troca” (MENIN; BARUFFI, 2007, p. 357).

Conforme apontam Menin e Baruffi (2007) os investidores procuram estabelecer suas relações econômicas visando o lucro, sem exercer um diálogo com os trabalhadores, a fim de procurar saber suas reais necessidades. Dessa forma, o outro pólo do sistema econômico global são os trabalhadores, também conhecidos como “mão-de-obra”:

“Na outra ponta estão os empregados, geralmente aqueles que são os moradores da localidade, que não possuem voz neste processo, e estão presos ao espaço do trabalho, cabendo-lhes unicamente aceitar as condições impostas, na hipótese de desejarem o emprego oferecido” (MENIN; BARUFFI, 2007, p. 357).

Portanto, através dos apontamentos de Menin e Baruffi (2007) podemos dizer que no mundo globalizado, a qual o Brasil é participante ativo, os trabalhadores ficam sujeitos às condições dos empregos oferecidos em sua maioria das vezes pelos investidores. Assim, é possível compreendermos porque as principais bolsas de valores do mundo estão em queda durante a pandemia (COVID-19), pois, a perspectiva dos investidores no mercado financeiro global para os próximos meses ou anos não é nada animadora. É por essa razão que Senhoras (2020) coloca a questão da repercussão econômica de natureza transescalar e intertemporal:

“As repercussões assimétricas de natureza transescalar acontecem à medida que internacionalmente todas as regiões do mundo foram afetadas humanamente pelo surto, o que gerou tensões inicialmente em vários mercados financeiros com queda de ativos, e em um segundo momento impactos negativos na produção e no consumo ao longo das semanas em função do desabastecimento das cadeias de distribuição de produtos made in China” (SENHORAS, 2020, p. 39).

 [...]

“As repercussões assimétricas de natureza intertemporal surgem em uma economia internacional, previamente em crise em função de uma agenda neoprotecionista e de guerras comerciais, principalmente entre Estados Unidos e China. Neste contexto internacional, os efeitos negativos da crise do novo coronavírus têm repercussões imediatas no curto prazo no desabastecimento microeconômico de uma logística internacional das cadeias globais de produção e consumo, mas também em eventuais transbordamentos macroeconômicos de tendências negativas no crescimento internacional” (SENHORAS, 2020, p. 40).

Mediante as considerações de Senhoras (2020) é perceptível que vivemos num mundo globalizado, cujo trabalhador brasileiro (sendo esse, um “simples” caixa de supermercado, ou um alto executivo de multinacional) é um personagem ativo das relações econômicas do mercado global, seja, enquanto consumidor – o que na pandemia (COVID-19) está gerando o efeito cascata de baixa procura e demanda na tipificação da corrente industrial de produção – consumo:

“A globalização criou um novo status ao cidadão: o de consumidor. De trabalhador, cidadão participativo, o modelo imposto cria o consumidor. Todo o tempo é destinado a serviço incondicional das relações laborais, sem a clara distinção se se consome para viver ou se vive para consumir. É a reificação do humano” (MENIN; BARUFFI, 2007, p. 375).

Nesse sentido, o sujeito-consumidor-empregado-globalizado sente na pele os efeitos de ser um cidadão do século XXI regido pelo mercado financeiro - que por sua vez, é conduzido por perspectivas de ganhos reais, ou seja, de lucro do capital investido.

Ao voltarmos o olhar para o cenário econômico brasileiro temos evidenciados os reflexos da crise econômica que se anuncia. Ainda conforme dados do IBGE, publicados em reportagem do Nexo Jornal, até julho nenhuma empresa de grande porte (com mais de 500 funcionários) havia encerrado as atividades no Brasil. Enquanto isso, as empresas de pequeno porte (até 49 funcionários) respondiam por 99,8% dos negócios que encerraram as atividades em definitivo. Dado atribuído ao fato de cerca de 98,4% das empresas no Brasil estarem dentro da categoria de pequenas empresas (IBGE), o que reforça a necessidade de programas que destinem recursos para essas empresas.


Entretanto, é possível perceber a redução nos postos de trabalho mesmo nas grandes empresas, conforme dados da taxa de desocupação no Brasil desde o início da pandemia, comentados no início do texto.

Em relação PIB de 2019, é interessante notar, como fez Carvalho (2020), que o atual governo brasileiro muito malcriadamente tentou disfarçar ao mal desempenho com uma história estranha de PIB público e PIB privado

Um dos efeitos da pandemia foi chacoalhar de vez as bases do regime fiscal brasileiro. O choque causado pela Covid-19 chegou logo após a divulgação de resultados frustrantes do PIB de 2019. Embora o governo Bolsonaro tenha tentado minimizá-los em discursos e campanhas que falsamente alardeavam uma melhor alocação de recursos — a partir da construção de conceitos de PIB privado em crescimento e PIB público em queda —, o crescimento do único PIB existente, o da economia como um todo, ficou abaixo até mesmo do observado em 2017 e 2018. (CARVALHO, 2020. Pg. 14)

Para a autora, uma revisão do teto de gastos é mais do que bem vinda. Como tudo em economia, a política aqui também tem um atravessamento. Ela cita o posicionamento público do presidente da câmara, Rodrigo Maia, que em 4 de março chegou a declarar que os gastos públicos são importantes para o Brasil crescer: “A gente não consegue organizar um país apenas fazendo as reformas, cortando, cortando, cortando”.

Do ponto de vista econômico, isso é possível, ainda que à custa de um endividamento pois, o país não tem dívidas externas que o impeçam de seguir este caminho de investir no bem estar social e ampliação das redes de cuidado social:

Ao contrário de vários países periféricos e da situação que vigorou no país até os anos 1990, o Brasil não tem um problema de dívida externa que restrinja a capacidade de enfrentar o vírus e suas consequências: ao contrário, o país tem vultosas reservas internacionais e quase nenhuma dívida pública em moeda estrangeira. (CARVALHO, 2020. Pg. 14)

Inclusive, este endividamento, a exemplo de países do mundo inteiro, já vinha acontecendo antes da pandemia acontecer.

Carvalho (2020), percorre os últimos anos da trajetória bolsonarista, em especial do Paulo Guedes, e aponta as transformações do discurso, bem como das atitudes dele e de Bolsonaro. No início, para ganhar atenção e predileção do mercado e investidores (que viam no Bolsonaro um interventor estatal inspirado pelo modelo do regime militar dos anos sessenta e setenta) Paulo Guedes deixou claro sua intenção de privatizar e minimizar o estado.

Porém, com as evidências mais e mais gritantes de que havia insuficiência de demanda, ele liberou o FGTS em junho de 2019 — uma medida que a autora (CARVALHO, 2020) classificou como keynisiana, um economista que defendia o papel do estado na construção do bem estar social. O ponto principal de seu argumento era que apenas os bancos públicos podiam fazer algo pelos mais vulneráveis em termos de recuperação da economia, uma vez que em tempos de crise os bancos privados se tornavam conservadores, assim como os investidores. Nesse sentido o BNDS ainda se mantinha irrelevante:

Que a crise da Covid-19 tenha mostrado que as críticas à condução da política industrial pelo BNDES durante os governos Lula e Dilma não podem servir para eliminar de vez o papel estabilizador dos bancos públicos quando os bancos privados assumem postura defensiva, deixando de emprestar para quem mais precisa pelo alto risco envolvido. (CARVALHO, 2020. Pg.35)

Como não se pode deixar de notar, a política mais uma vez se enrolou em ideologia, criando problemas econômicos, como a reunião ministerial vazada deixou claro:

No entanto, dada a insuficiência e a inadequação das linhas de crédito criadas no Brasil durante a pandemia, será difícil evitar a quebradeira e, assim, garantir uma recuperação mais robusta após o fim das medidas quarentenárias. (...) Para a perplexidade geral, no entanto, o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, revelado por ocasião das investigações de interferência por Jair Bolsonaro na Polícia Federal, deixou claro que se tratava na verdade de uma política deliberada: “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos para salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”, disse Guedes.


Vale comentar ainda dois programas criados pelo Governo Federal: o Pese (Programa Emergencial de Suporte a Empregos) que previa inicialmente, a destinação de R$ 40 bilhões em crédito fossem encaminhados às pequenas empresas visando a manutenção da folha de pagamentos dos funcionários e evitar cortes e o  Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) criado com R$ 15,9 bilhões em recursos oriundos do Pese, mas não vinculados ao pagamento de salários, podendo ser utilizados como capital de giro e investimentos.

Entretanto, dados do IBGE mostram que desde início da pandemia até a primeira quinzena de junho, os empréstimos (oriundos de instituições financeiras públicas ou privadas) haviam sido concedidos à apenas um oitavo das pequenas empresas. Fator devido, principalmente pela burocracia exigida pelas instituições financeiras e pela informalidade administrativa na maioria das pequenas empresas brasileiras.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, Alexandre. Devido à pandemia, pelo menos 3 milhões de pessoas ficam sem trabalho no país. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28613-em-quatro-meses-de-pandemia-3-milhoes-de-pessoas-ficam-sem-trabalho-no-pais. Acesso em: 14/08/2020.

CARVALHO, Laura. Curto-circuito: O vírus e a volta do Estado. São Paulo: Todavia, 1ª ed., 2020

FERRAJOLI, Luigi. Razões jurídicas do pacifismo. Prefácio de Gerardo Pisarello. Tradução de Gustavo de Souza Preussler. Revisão de Alexandre Salim. 2011. No prelo.

MENIN, Daniela; BARUFFI,  Helder. Efeitos da Globalização no âmbito trabalhista. Revista Licere, Belo Horizonte, v.20, n.2, jun/2017.

OXFAM. Patrimônio dos super-ricos brasileiros cresce US$ 34 bilhões durante a pandemia, diz Oxfam. Disponível em:  https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/07/27/patrimonio-dos-super-ricos-brasileiros-cresce-us-34-bilhoes-durante-a-pandemia-diz-oxfam.ghtml. Acesso em: 15/08/2020.

SENHORAS, Elói Martins. Novo Coronavírus e seus impactos econômicos no mundo. Boa Vista, 2020. Volume 1, Nº 2. Disponível em: www.revista.ufrr.br/boca. Acesso em: 14/08/2020.


Comentários

  1. Bela conexão entre o texto próprio e as referências de autores. Gostei também que incluiram imagens. Boa dica para os demais grupos.

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  2. Excelente texto onde se percebe a preocupação não só com a política em si mas também com o quadro real das consequências ocasionadas pela pandemia e análises das políticas propostas pelo governo.

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  3. Mais de 3 milhões de brasileiros ficaram desempregados durante a pandemia.
    Uma vez que muitas empresas procuram tão somente o lucro, vendo o indivíduo nos dias de hoje como consumidor, não como ser humano.

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  4. Excelente articulação com a referência. O texto ficou rápido mas me parece que o grupo poderia falar um pouco mais. Mas ficou excelente.

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  5. Parabéns, colegas! Gostei muito das análises críticas, principalmente dos autores Menin e Baruffi.

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  6. O texto traz uma coerência entre os efeitos econômicos da pandemia e o caminho de superação econômica social, respeitando a matriz empresarial do Brasil.

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