A estagnação social e econômica no Brasil durante a pandemia (Covid-19) em três metáforas musicais
“e o motivo todo mundo já conhece, é que o de cima sobe e o debaixo desce”
Alex Paulo Teixeira de Souza
Glaucos Luis Flores Monteiro
Walker de Barros Dantas
A pandemia (Covid-19) releva e
contribui para aumentar o triste cenário das desigualdades sociais brasileiras,
seja pela perda de empregos por milhões de brasileiros, ou por decretar o fim
da fé e da esperança daquela população desprovida de emprego e renda que
acreditava num futuro melhor — esperança esta baseada nos valores democráticos
de renovação trazidas pela recém troca de governo, donde o então candidato à
presidência logrou êxito em sua campanha através de um discurso “anti-ideologia”,
“anti-corrupção” e que apostava nos valores liberais do empreendedorismo:
“vamos ensinar o brasileiro a pescar e não ficar esperando o peixe no prato” (Yahoo!
Notícias, 2018).
Pois bem, no primeiro ano do atual
governo os brasileiros tiveram que esperar a Nova Reforma da Previdência
ser aprovada e entrar em vigor no dia 13 de novembro de 2019. Vale lembrar que
antes de 2019 houve a Reforma Trabalhista, aprovada em 2017, prezando pela
mesma retórica de “mais empregos, menos privilégios, e redução das desigualdades
sociais”. Mas aí veio a Pandemia. E com ela, o distanciamento social. Desde
então o país tem, junto dos Estados Unidos, somado o maior número de mortos do
mundo.
Soma-se a isso a necessidade iminente
de rearranjar o próprio cotidiano, os afetos e a necessidade de conexão
inerente a todo ser humano. O assim chamado “Distanciamento Social” nasce como
uma piada pronta, porque se há um país que conhece o distanciamento social este
é o Brasil: uma pessoa de renda baixa leva até nove gerações para mudar para
uma renda mediana, o que torna o Brasil um dos países de menores mobilidades
sociais no mundo. (Exame. 2020). O que se propôs, seja por especialistas, seja
pela narrativa utilizada pela mídia de massa, afinal, foi um “Distanciamento
Físico”, além de medidas mais rígidas de higiene: uso de máscaras e limpeza
constante de mãos para evitar transmissão por fômites (tocando em locais
contaminados e em seguida tocando o próprio rosto). E se estas medidas são
inerentemente boas e recomendáveis, em nada servem para combater a saudade de
estar com aqueles que se ama. Mas no momento em que este artigo é escrito, a
maioria dos comércios voltou a funcionar, ainda que a pandemia não tenha
acabado.
No Brasil, cuja economia não cresce há
seis anos e ocupa a desonrosa posição de sétimo país mais desigual do mundo, o
Congresso discute dois projetos de reforma tributária, enquanto aguarda um
prometido terceiro projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, que, antes
mesmo de ser apresentado, já foi costurado e descosturado várias vezes. Guedes
defende a criação de uma nova CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação
Financeira), ainda que com um nome diferente do famigerado imposto criada em
1993 e extinto em 2008 (BBC Brasil, 2020). Além disso foi proposta outra medida
polêmica para amenizar a desigualdade rompante, o assim chamado “imposto
negativo” (NIT na sigla em inglês para Negative Income Tax): o Estado
passaria a depositar o equivalente a 20% do rendimento mensal do trabalhador de
baixa renda em uma conta a ser usada em sua aposentadoria (VEJA, 2020).
Mas, espera um
pouco...Imposto Negativo?
O Estado passaria a depositar 20% do
rendimento mensal do trabalhador de baixa renda, para que o mesmo usufruísse em
sua aposentaria? Mas, a Reforma da Previdência não está em vigor? Esse ato
seria uma micro-reforma? Ou pior, seria um avanço da “temível ideologia
comunista” querendo tirar dinheiro de quem trabalha para “dar aos vagabundos
equerdopatas”?
Parece até que o ministro da economia
antes de deixar o foguete viajar pelo universo, vestiu-se de “carimbador
maluco” e disse: “5...4...3...2...Parem! Esperem aí! Onde é que vocês pensam
que vão? Dessa forma, fez valer a
hilária letra da música de Raul Seixas (1945-1989) intitulada Carimbador Maluco, nessa possível
inclusão do imposto negativo pensado
por Guedes, assim, o ministro quer dar o seu aval final para que o foguete da
esperança, do emprego e renda dos cidadãos descole do chão das incertezas.
Diante desse cenário confuso, e de
reformas trabalhistas e previdenciárias que ainda não mostraram resultados
reais, se revelam o verdadeiro problema das desigualdades
sociais — a ausência de políticas para a população que está à margem das
condições básicas de sobrevivência. O desespero se retroalimenta e cria
condições para medidas mais desesperadas e radicais, tais como apoiar um político
do expetro extremista da direita; ou como diz a letra de Daniel na cova dos
leões, de autoria de Renato Russo (1986): “É o mal que a água faz quando se
afoga/ E o salva-vidas não está lá porque não vemos”.
(...) Diante da redução de empregos industriais e
enfraquecimento das formas sindicalizadas de organização entre trabalhadores, o
debate sobre a renda básica universal e a criação de direitos pela legislação
trabalhista já vinha ganhando força entre economistas e políticos. Como
ressaltam Jurgen De Wispelaere e Lindsay Stirton em artigo de 2004, a renda
básica, em particular, constitui para pesquisadores e gestores um paradigma
distinto dentro da teoria de bem-estar contemporânea, ainda que haja
discordâncias mesmo entre seus defensores. Enquanto estudos sustentam a criação
de um sistema de imposto de renda negativo, outros são a favor de uma renda
básica incondicional e um terceiro grupo acredita em dotações universais de
riqueza, por exemplo. CARVALHO, Laura. Curto-circuito (Coleção 2020) (p. 54).
Todavia. Edição do Kindle.
Na verdade o imposto negativo é
uma medida liberal defendida por economistas nada afeitos ao poder estatal como
o americano Milton Friedman. Diz, basicamente que todos os cidadãos precisam
produzir e ganhar uma certa quantidade mínima de dinheiro, mas no caso daqueles
que não conseguirem este mínimo seria garantida uma ajuda suplementar do governo
ao invés de pagar taxas. É uma alternativa a outra proposta que ganhou
notoriedade desde o início da pandemia: Renda Básica.
Estagnação econômica,
estagnação social
À luz dos fatos a
frase da música Xibom, bombom (1999)
do grupo musical As Meninas, se consagra na condição do mantra do cidadão
brasileiro, no qual passamos a elencar um trecho da letra: “Analisando essa
cadeia hereditária, quero me livrar dessa situação precária. Onde o rico cada
vez fica mais rico, e o pobre cada vez fica mais pobre. E o motivo todo mundo
já conhece, é que o de cima sobe e o debaixo desce”.
Nesse trecho, As
Meninas citam claramente a teoria da Mais-valia de Karl Marx, em que o
sistema capitalista trabalha apenas para obter lucros. E esses lucros ficam
sempre nas mãos de poucos, os proprietários das fábricas, das empresas. O
empregado fica sempre renegado a uma mínima parcela dos lucros em cima dos
produtos que ele mesmo produz. Xibom Bombom é uma chamada para refletir sobre
esse conflito de classes (COMUNIDADE, 2017).
Se desde 1999, depois
de mais de cem anos do surgimento do Brasil República (1889), a percepção do
simples cidadão brasileiro ecoada na poética musical da banda de axé da Bahia já
traziam aos ouvidos do povo essa perspectiva, não seria possível acreditar que
a cadeia hereditária poderia ser alterada através da Reforma Trabalhista
(2017), ou da Reforma da Previdência (2019), e a Reforma Administrativa e
Tributária ainda em construção?
Se a cadeia hereditária
será alterada realmente é impossível fazer qualquer previsão, mas é certo que a
Covid-19 reforçou a desigualdade social brasileira, e, o pior com retoques de
hipocrisia muito comuns à politicagem que já conhecemos tão bem. Usamos aqui de
três situações para exemplificar isso:
·
Enquanto a velha classe política solicitava
aos brasileiros que ficassem em casa, o cenário revelava-se assim: “Segundo dados do último Censo do IBGE, 6% da população brasileira moram em
favelas. Ou seja, mais de 11 milhões de cidadãos vivem em condições precárias,
espaços apertados com muitos moradores, mal ventilados e sem acesso à saneamento
básico” (OXFAM, 2020).
·
Enquanto as campanhas dos governantes (da mídia como um
todo) solicitavam ao povo brasileiro que higienizassem suas mãos, o vigente
cenário é: “O Instituto Trata Brasil estima que 35 milhões de
brasileiros não têm serviço de abastecimento de água e quase 100 milhões não
têm acesso à esgoto. Por isso, estão mais vulneráveis à contaminação por coronavírus”
(OXFAM, 2020).
·
E quanto aos trabalhadores brasileiros que perderam os seus
postos de trabalhos durante a pandemia (Covid-19) e entraram na triste
estatística do aumento da informalidade: “dados da PNAD Contínua do IBGE
mostram que entre a população com algum tipo de ocupação o número de informais
chega a 41,3%, o maior número registrado desde 2012. São cerca de 38 milhões de
brasileiros que com as medidas de isolamento social ficam sem renda” (OXFAM,
2020).
Mediante ao exposto, a desigualdade social não está realmente
em pauta no plano econômico, ela apenas se apresenta nessa perspectiva, mas, o
possível caminho para a diminuição da desigualdade
social do Brasil está em políticas públicas de curto, médio e longo prazo, para
que não possa surgir no meio do caminho um certo “carimbador maluco” ou se
fazer valer a mais valia de Marx numa simples canção.
Estudos apontam que uma população que
não precisa se preocupar constantemente com a próxima crise do capitalismo ou
se vai ter ou não uma aposentadoria na terceira idade é uma população feliz e
produtiva; para além de ideologias e disputas de narrativas, os países de
políticas públicas mais eficientes no mundo têm apontado que um programa de
proteção social que inclua uma renda mínima para sobreviver é a melhor maneira
de atravessar crises como a atual Pandemia — um exemplo é a Suécia que se não
obrigou o distanciamento físico e não fechou comércios, tinha feito o dever de
casa de criar o mínimo para que as pessoas tivessem amparo (educação, saúde e
saneamento básico de qualidade). Claro, é um país bem diferente do Brasil, o
que traz à tona até mesmo o ensejo de radicalizar em busca de resoluções —
termos este que, mais uma vez, é tratado com desconfiança e preconceito pela
mídia e pelo governo autocrata: radicalizar é apenas buscar a raiz dos
problemas. Eles nunca vão dar às pessoas o poder que permite que elas os
derrubem.
Referências
As meninas criticam a
desigualdade social em “Xibom Bombom”. Acesso em: 13/09/2020. Disponível em: https://comunidadeviadutos.com.br/site/noticia/as-meninas-criticam-a-desigualdade-social-em-%E2%80%9Cxibom-bombom%E2%80%9D/2846.
Brasil
é um dos países com menor mobilidade social em ranking global. Exame. Publicado
em 22/01/2020. Acesso em: 13/09/2020. Disponível em: https://exame.com/economia/brasil-e-um-dos-paises-com-menor-mobilidade-social-em-ranking-global/
CARVALHO, Laura.
Curto-circuito (Coleção 2020). Todavia. 2020.
Como a pandemia amplia
a crise da desigualdade social no Brasil e no mundo. Acesso em: 13/09/2020. https://veja.abril.com.br/economia/como-a-pandemia-amplia-a-crise-da-desigualdade-social-no-brasil-e-no-mundo/.
Desemprego cai em 16
estados em 2019, mas 20 têm informalidade recorde. Acesso em: 13/09/2020. Disponível em https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/26913-desemprego-cai-em-16-estados-em-2019-mas-20-tem-informalidade-recorde
Nova CPMF? Por que imposto sobre pagamentos
eletrônicos estudado pelo governo gera tanta polêmica BBC Brasil. 16/07/2020.
Acesso em 14/09/2020. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53437835
Pandemia de coronavírus
reforça desigualdades da população mais vulnerável. Acesso em: 13/09/2020.
Disponível em: https://www.oxfam.org.br/blog/pandemia-de-coronavirus-reforca-desigualdades-da-populacao-mais-vulneravel/.
Para
general, muitos brasileiros são pobres por preguiça. Yahoo! Notícias,
22/05/2018. Acesso em: 13/09/2020. Disponível em:
https://br.noticias.yahoo.com/para-general-muitos-brasileiros-sao-pobres-por-preguica-141859869.html
otimo, muito criativo ,parabens
ResponderExcluirO grupo segue na vanguarda das inovações deste blog. Neste texto destaco que dentre todos escritos, até agora, é o que melhor representa o estilo opinião, conforme o que havia sido solicitado. Tudo de bom!
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