A Pandemia do Novo Coronavírus e os Atravessamentos Culturais


Disciplina: Métodos para Pesquisas

Professora: Doutora Andréa Ferraz Fernandez.

Disciplina Ofertada em Ensino a Distância (EaD) – 2020/1, no período de 12/08/2020 a 25/09/2020

Discentes: Valéria Pereira Moreira; Maria de Lourdes Fanaia; José Elias Antunes Neto; e Thiago Oliveira da Silva

 

Semana 4 – Atravessamentos Culturais

 

 

A Pandemia do Novo Coronavírus e os Atravessamentos Culturais 


O ano de 2019 terminou com uma ameaça, que se consolidou em 2020 com a instalação da crise sanitária, causada pela COVID-19 e considerada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em virtude do alto nível e rapidez do contágio, por isso foi necessário, tomar diversas providências, que impactaram a dinâmica da vida mundial. Na tentativa de se evitar um número grande de mortes e de infectados a OMS organizou uma série de ações, que deveriam e devem ser tomadas pela população em geral, como o isolamento social, uso de máscaras, álcool gel, lavar as mãos, as roupas e ter todos os cuidados básicos de higiene pessoal, além de suspender todas as atividades sociais e culturais, que provocassem a aglomeração de pessoas, isto posto, o setor cultural mundial foi todo suspenso e uma grande crise financeira e social foi desencadeada nesse meio, em efeito cascata. O isolamento social radical foi necessário, para se evitar o alto número de contaminados, bem como, a lotação das unidades básicas de saúde e dos hospitais, na tentativa de evitar o número de mortes, entretanto os esforços não foram suficientes, hoje dia 18/09/2020, o Brasil contabiliza 135 mil mortos.

Os shows, peças de teatro, formaturas acadêmicas, festas, lançamentos de discos, livros, exposições nos museus, centros culturais, feiras, academias de ginástica, escolas, universidades, viagens, turismo, todos os eventos mundiais foram cancelados, com isso, os profissionais da área cultural, que trabalham na infraestrutura dos eventos sofreram perdas financeiras incalculáveis, pois a cadeia cultural dessas atividades é formada por profissionais, que não aparecem no espetáculo, como por exemplo: maquiadores, figurinistas, costureiras, eletricistas, cabeleireiros, técnicos de som, de palco, equipes de montagem de palco, de equipamentos em geral enfim, uma gama imensa de profissionais, simplesmente, perderam suas rendas, e ficaram à deriva no caos provocado pela crise sanitária da COVID-19.

Nos países ricos, os governos socorreram a população, pagando um auxílio emergencial para as pessoas permanecerem em suas casas, evitando sair nas ruas, para evitar o contágio com o novo coronavírus. Governantes organizados e sintonizados com a causa, seguiram as normas técnicas dos pesquisadores e médicos, tiveram êxito, e em alguns meses conseguiram reverter e controlar a crise sanitária, reduzindo, drasticamente, a curva de contágio, zerar o número de mortes e retomaram, gradativamente, as atividades comerciais e de prestação de serviços, como por exemplo: restaurantes, lanchonetes, lojas em geral, as atividades cultuais continuam suspensas, uma vez que, a necessidade de uma logística específica, exige protocolos rigorosos, para serem cumpridos e garantir a segurança do público e da própria equipe organizadora. Ressalta-se, que as atividades econômicas estão sendo retomadas, mas a vigilância sanitária permanece em grau máximo, uma vez detectado algum tipo de contágio do novo coronavírus, são adotados os protocolos como isolamento social, testagem da população e suspensão de todas as atividades, no local.

            Considerando, que no Brasil o primeiro caso confirmado de COVID-19 foi registrado no dia 26 de fevereiro de 2020, somente em março, após o carnaval, o país adotou as medidas recomendadas pela OMS, somando ao alto grau de desinformação sobre a doença, e desarticulação governamental das áreas sociais, políticas e econômicas, geraram embates políticos, enquanto a população desamparada amargou longo período, à espera de receber o benefício emergencial, a primeira parcela foi paga no mês de abril de 2020. “Segundo a Caixa, desde o dia 9 de abril, quando teve início o pagamento do auxílio emergencial do governo federal, o total de pessoas que tiveram o benefício creditado pelo banco somam 44,3 milhões, num total de R$ 31,3 bilhões.”[1]

            A pandemia do novo coronavírus instalou um caos no país, em todos os aspectos, uma vez que, a paralisação das atividades culturais, deixou a população num vácuo emocional, pois não só os grandes eventos foram cancelados, mas todos de pequeno porte também, isto causou mais desgaste para os profissionais da área, que muitas vezes trabalham por conta própria, são autônomos, para prover seus sustentos. O benefício emergencial pago pelo governo federal não foi disponibilizado para todos os necessitados, os vulneráveis, os desempregados, bem como, os microempreendedores (MEIs). Segundo o Sebrae, aproximadamente, 5,5 milhões de MEIs cadastrados receberam o benefício governamental, mesmo assim, o Sebrae também informa, que 1,3 milhões de empreendedores de pequenos negócios, não conseguiram a ajuda financeira. Esta situação agravou muito as condições dos microempreendedores, e muitos encerraram as atividades definitivamente, aumentando o número de desempregados, assim como também, os próprios microempreendedores estão sofrendo com a perda dos seus negócios, para manter a renda das suas famílias, isto se aplica, também, nas casas de shows, bares boêmios, restaurantes tradicionais, espaços culturais para os jovens, universitários. Em Cuiabá, o bar boêmio Cão Latino localizado no bairro Boa Esperança, encerrou definitivamente as atividades, por causa da pandemia do novo coronavírus, segundo o músico Thales Paiva um dos sócios do bar.

            Com as atividades culturais canceladas, as mídias sociais estão proporcionando a integração dos amigos, familiares, mantendo o distanciamento social, muitos músicos que trabalhavam nas casas noturnas, bares, restaurantes, teatros, outros tinham agenda no exterior, tocando nos eventos culturais, salas de concertos, festivais e sem patrocinadores, passaram a se apresentar nos seus perfis do Instagram, Facebook, You Tube, cobrando ingressos, que são adquiridos via plataformas digitais, como por exemplo: o compositor e produtor Arthur Nogueira (@arthurnogueira, perfil no Instagram) de Belém do Pará, entre tantas atividades, organizou quatro apresentações no mês de agosto, que foram realizadas aos sábados, via aplicativo Zoom e os ingressos foram vendidos pela plataforma Mercado Livre. Além de criar novas canções, Arthur produziu o novo disco “Só” da cantora e compositora Adriana Calcanhoto (@adrianacalcanhoto, perfil no Instagram), o disco foi todo elaborado na quarentena. As composições, arranjos, gravações, todo o trabalho, que envolve a produção de um disco foi realizado remotamente, em conversas por telefone e aplicativos de comunicação, estando Adriana na cidade do Rio de Janeiro.

 



Perfil no Instagram do músico Arthur Nogueira e seu gato Orlando


O disco “Só” de Adriana Calcanhoto, produzido por Arthur Nogueira

 

Alguns artistas estão sendo contratados para festas de aniversário e outros eventos corporativos, que são transmitidos via plataformas digitais, dessa maneira, eles estão tentando recuperar as perdas financeiras, durante estes seis meses, em que o Brasil se encontra na crise sanitária.

            O Projeto “Mesa Brasil” do SESC (Serviço Social do Comércio) tem organizado muitas apresentações artísticas, para arrecadar ajuda financeira e alimentos para os trabalhadores da área cultural, que perderam seus empregos, as doações são realizadas via plataforma digital, com o uso do QRCode, como por exemplo: Milton Nascimento, Flávio Venturini, João Donato, Tulipa Ruiz e seu irmão Gustavo Ruiz, entre outros. Com a proposta #emcasacomsesc o SESC tem organizado, também, aulas de ginástica, debates, performances, teatro, enfim uma série de eventos abertos ao público com temas focados em diversas áreas, que envolvam os impactos da crise sanitária, causado pelo novo coronavírus, essas ações proporcionam a interação com o público, por meio de espaço para perguntas e comentários, que são administrados por um mediador do evento. Inúmeras instituições em suas redes sociais estão apresentando incontáveis atividades artísticas, que estão aliviando as angústias, estados depressivos e ansiedade causados pelo isolamento social e a falta de perspectiva de futuro, uma vez que, os cientistas ainda não encontraram um tratamento eficaz, como também, a vacina contra a COVID-19.

Print da página do SESC-SP no YouTube, vê-se o QRCode para doação financeira.

            No último dia 07 de setembro, o artista visual Arthur Scovino, no seu perfil do Instagram, @arthurscovino, apresentou a “Performance Fake News da Independência – por trás dos 20 centavos”, relatando sobre a história oficial da independência do Brasil e a história vivenciada. Na moeda de R$ 0,10 tem a imagem de Dom Pedro I proclamando a independência conforme a história oficial relata, enquanto na Bahia, o Caboclo é uma alegoria que representa o povo, que lutou pela independência. As moedas de R$ 0,10 se referem ao movimento, que os estudantes fizeram, contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus, em 2013, que tomou as ruas do país. No decorrer da atuação, ele usou a técnica da frotagem para revelar as moedas sobre papel, se referindo à independência, resultando num múltiplo de 100 unidades, que estão sendo vendidas. Na quarentena, Arthur Scovino cancelou todas atividades agendadas e se mantém vendendo seus trabalhos, pessoalmente, os quais são despachados via Correios, para pagar suas despesas e manter o Atelier/Galeria Casa de Caboclo, na cidade de São Paulo, onde ministrava uma série de atividades artísticas, exposições, aulas, residências e servia almoços, cujo cardápio singular promovia encontros, estabelecendo vínculos de amizades, uma intensa roda social em meio às obras de artes. Sua vida foi completada com a chegada da gatinha Simone, adotada nesse período da pandemia, nas suas performances a gatinha interage com ele o tempo todo.

 




 

“Apontamentos – Moirões de Mairi”, primeira exposição virtual do Arthur Scovino, realizada em 29/07/2020

  
















Arthur Scovino convida para a performance “Fake News da Independência”

 

   






Frotagem das moedas de R$ 0,10 na performance “Fake News da Independência e a gatinha Simone

         

            O coletivo de atores da Inquieta Companhia de Teatro de Fortaleza, criou o perfil no Instagram @Sala_de_Espetaculos, para as apresentações online, no período de junho a setembro de 2020, os atores Gyl Giffony e Silvero Pereira, apresentaram uma releitura da peça Metrópole escrita pelo dramaturgo Rafael Barbosa. Os recursos disponíveis pela plataforma do Instragram, como os filtros, na chamada de vídeo, proporcionam aos atores jogos de imagens, que levam o espectador para o imaginário do enredo. Os atores contracenam nos cômodos das suas casas, provocando sensações diferentes, nos espectadores, que o espaço virtual oferece, os ingressos são adquiridos via plataforma Sympla, é preciso seguir o perfil da Sala. Nesta nova versão, o ator Gyl Giffony assina a direção e contracena com Silvero Pereira, que em 2019 foi consagrado no filme Bacurau com o personagem Lunga.

 

 


 

 

 








 Metrople-on-line, na parte superior Silvero

                                                       Metrople-on-line, Silvero Pereira atua, usando um filtro do Instagram 




A face de Gyl Giffoni em sobreposição com a imagem projetada, em Metropole-on-line



Silvero Pereira e Gyl Giffoni capturam imagens externas das suas casas em Metropole-on-line

 

Somente as configurações digitais permitem ao público, de qualquer lugar do mundo, ver esse trabalho, sendo a internet um espaço tão frio e distante, proporciona tal experiência. Enquanto muitos atores estão usando esses recursos tecnológicos, para apresentarem os seus trabalhos direto do teatro físico, Metropole-on-line opta por uma transmissão para a população, que vê o elenco desde suas casas e usando a câmera, para captar ambientes externos.

            No início de janeiro do corrente ano, Tulipa Ruiz, seu irmão Gustavo Ruiz e o videoartista Felipe Franco participaram do China Tropical Project, que compreendia uma série de 4 shows e uma residência na zona rural na cidade de Lijiang, província de Yunnan, sudoeste da China, o grupo ficou hospedado na casa de uma família de agricultores, junto com artistas do México, Chile e Estados Unidos, enquanto o novo coronavírus ceifava milhares de vidas na província de Wuhan. Findada a residência, o grupo fez um passeio de carro por vários lugares, até o vilarejo de Xizhou, onde comemorou o ano novo chinês, no dia seguinte, a cidade estava tomada pelo protocolo da pandemia do novo coronavírus. Todos retornaram para o Brasil no final de janeiro, sãos e salvos, depois da experiência extraordinária na China, tanto na residência quanto nos shows, o vírus começou a chegar no Brasil, e a vida virou um caos.

            A solidariedade tem sido uma constante nessa quarentena, preocupada com as condições de vida da sua banda “Pipoco das Galáxias” e equipe, a cantora e compositora Tulipa Ruiz realizou uma série de entrevistas (lives) no seu perfil do Instagram @tuliparuiz, com uma característica peculiar. Estando todos na mesma condição: isolados socialmente, sem trabalhar e sem dinheiro, a cantora inseria os dados bancários do convidado para que eles recebessem doações monetárias, assim todas as terças e quintas-feiras às 14h00 Tulipa entrevistava uma pessoa da sua banda, o convidado contava sua trajetória de vida familiar e profissional, até chegar a trabalhar com a cantora.



Material de divulgação dos shows da Tulipa Ruiz na China, janeiro/2020


Tulipa Ruiz divulga a série de lives, com sua equipe na quarentena


Os produtores Daianne Dias e Fabrício Nobre na live, cuidam da agenda da Tulipa Ruiz

              

             Para aplacar as crises emocionais, a depressão, a ansiedade, entre outros problemas de saúde mental causados pelo isolamento social, durante a quarentena, os médicos, recomendam a prática das atividades físicas e artísticas, e justamente os artistas que perderam suas rendas, estão proporcionando o alívio emocional para a população, que vive sem uma perspectiva de um futuro próximo. Vizinhos se organizam para encontrar soluções, para aliviar a nova rotina, outros fazem trabalhos manuais, reformam roupas, os músicos tocam e cantam em suas casas, no novo conceito de vida na quarentena, além dos animais de estimação estarem possibilitando um alento, e ajudando salvar vidas nesse período pandêmico, uma vez que, a solidão tem sido implacável.

            Para concluir, a célebre frase “breve é a vida e longa é a arte” atribuída ao médico e arquiteto grego Hipócrates (460 - 370 a.C.), considerado o pai da medicina, proporciona uma reflexão sobre as ações do homem na sua vida, pois a arte cura, a arte salva, assim afirmam os artistas, e a COVID-19 chegou para mostrar ao homem, que ele não é eterno e a cultura permanece.

            A quarentena revelou ao mundo, o quão o homem é vulnerável diante de um vírus, que alterou e provocou mudanças radicais de se ver o mundo, agora é preciso pensar no outro, pois as ações que outrora eram passadas despercebidas, agora são de extrema importância. Ignorar ou não cumprir o protocolo de higiene recomendado pelos médicos, pode desestruturar um grupo de pessoas, uma vez que, o portador do novo coronavírus pode contaminar muita gente, esta sensibilidade precisa ser percebida, adquirida, trata-se de uma nova cultura na vida do homem. Atitudes individualistas e egoístas precisam ser substituídas por ações solidárias, de compaixão, de respeito ao próximo, pois em tempos de crise sanitária, é preciso a colaboração de todos, para que uns aprendam com os outros, aliviando a tensão, respeitando os idosos, e os cuidados de saúde, para que a vida em coletivo seja melhor, sem perder de vista, que a COVID-19 não escolhe suas vítimas nem classe social.

            Assim, o trabalho em equipe, os coletivos das artes, as cooperativas, os trabalhos em comunidade, a economia criativa inspiram uma nova maneira de viver na quarentena, mesmo que as ações sejam remotas, mas as atividades são construídas, visando o bem de todos, preservando as singularidades de cada um, sem perder o foco no coletivo.

 

REFERÊNCIAS

http://aristhought.com/2020/03/27/individualism-collectivism-why-some-cultures-are-coping-with-covid-19-better-than-others-and-how-we-can-learn-and-survive-the-pandemic-article/ Individualismo, coletivismo, por que algumas culturas estão lidando com o COVID-19 melhor do que outras e como podemos aprender e sobreviver à pandemia acesso em 16.09.2020.

 

https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/caixa-paga-1a-parcela-do-auxilio-emergencial-51-milhoes-de-pessoas pagamento da primeira parcela do auxílio emergencial, acesso em 15.09.2020.

 

https://www.metropoles.com/brasil/economia-br/mais-da-metade-dos-meis-nao-recebeu-auxilio-emergencial microempreendedores não conseguem receber auxílio emergencial, acesso em 16.09.2020.

 

https://www.olharconceito.com.br/noticias/exibir.asp?id=19371&noticia=cao-latino-anuncia-encerramento-das-atividades-por-causa-da-pandemia-do-coronavirus Cão Latino encerra as atividades por causa da pandemia do coronavírus, acesso em 16.09.2020.

 

http://tecnologiasocial.sites.uff.br/2020/07/14/metropole-primeiro-espetaculo-teatral-online-da-uff/ a Universidade Federal Fluminense (UFF) apoiou a apresentação de Metrópole, acesso em 16.09.2020



[1] Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-04/caixa-paga-1a-parcela-do-auxilio-emergencial-51-milhoes-de-pessoas/ sobre início do pagamento do auxílio emergencial. (Acessado em 10.09.2020)



Comentários

  1. texto jornalístico de excelente qualidade. Pena que as imagens saíram do local de origem. Perdeu-se informação importante. Ainda assim, observa-se como a estrutura do texto dá conta de organizar diversos aspectos da mesma questão. Parabéns ao grupo

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