O SOCIAL SOFRENDO EFEITOS SOCIAIS

 

O SOCIAL SOFRENDO EFEITOS SOCIAIS

 

 

Giulia Medeiros

Kleber Gonçalves Bignarde

Valéria C. Ferreira e Silva

 

 

A pandemia tem nos desafiado diariamente, sendo esses desafios repercutidos subjetivamente em diferentes categorias sociais como raça, classe, idade, identidade de gênero, entre outras, que por sua vez se articulam com aos contextos políticos, econômicos, culturais e ecológicos.

O corpo, que mediante contágio, pode ser severamente agredido pelo vírus, pode também ser duramente agredido pelo distanciamento social. Em diferentes classes sociais, teremos a potencialização de determinados impactos psíquicos e físicos em detrimento de outros, mas de um modo geral, houve e há um cenário de sofrimento mental generalizado, que afeta de diversas maneiras nossas relações sociais, uma vez que altera categorias de bens da vida, reconhecidas enquanto direitos sociais como educação, trabalho, família, prática de esportes, lazer-convivência, e outras. O que vemos, é que onde havia esporte, agora há um vazio, onde tinha apoio educacional, agora existe combate contra a fome. E ficou mais evidente a existência de necessidades básicas que vão do saneamento e tratamento de água e esgoto ao acesso a internet.

Com o distanciamento social, a vida em diversos sentidos, como trabalho, educação, diversão, fazer compras, e até mesmo as consultas médica e o atendimento psicológico migrou para o digital. Apesar de uma sensação de aumento na conectividade de forma geral no Brasil, essa interatividade digital não é para toda a população, pois esta está associada a determinadas condições econômicas e uma logística de rede digital que exclui, ou atende com menor eficiência, determinadas áreas do país e das cidades. O que vemos é uma acentuação das desigualdades em função da exclusão digital já que cerca de 70 milhões de brasileiros têm acesso precário à internet ou não têm nenhum acesso. Dos diferentes tipos de desigualdade pelos parâmetros de conexão à rede, há uma desigualdade chamada de primeiro nível, que é ter ou não acesso, e a desigualdade de segundo nível, onde se acessa, mas com diversos graus de limitações, por exemplo, a localização fará diferença até nos grandes centros urbanos, pois mesmo que o cidadã/cidadão tenha dinheiro para contratar um bom serviço de internet, se estiver em um bairro periférico, pode não ter o mesmo serviço de bairros nobres. Segundo a União Internacional de Telecomunicações, o ideal de acessos por antena é de até 1.500. A média em São Paulo pode chegar ao pico de 3.500, de acordo com associações setoriais. Na periferia, o número salta a até 18 mil.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, apresentada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), por meio do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) mostra que cerca de 47 milhões de pessoas seguem desconectadas. Isso fica particularmente perceptível nos domicílios das áreas mais pobres do país, a exemplo da região Nordeste, onde 35% dos lares não usam a web, o que também é uma realidade para 45% das famílias brasileiras com renda de até um salário mínimo. Ainda segundo esse estudo, 58% dos brasileiros acessam a rede exclusivamente por meio de seus telefones celulares, com esse percentual atingindo 85% na população mais pobre. O uso exclusivo de smartphones para acessar a internet também é predominante na população negra (65%), em comparação com 51% da população branca.

Nas áreas rurais, essa restrição aumenta consideravelmente, estando lá a maior parcela dos que nunca acessam a rede, 41% (10,3 milhões de indivíduos) dessa população jamais usou a internet. Dos 5 milhões de estabelecimentos rurais do país, 72% não têm acesso, de acordo com o IBGE. Essa falta de acesso a internet, ou acesso limitado pelo smartphone, gera uma situação de precariedade dado o alto custo e baixa qualidade que dificulta a realização de tarefas como trabalho remoto, ensino à distância ou acesso a serviços como o auxílio emergencial do governo.

Algumas práticas, mesmo com o acesso a internet, não podem ser reestruturadas, como é o caso dos projetos sociais esportivos e de artes diversas. A pandemia de Covid-19 trouxe o adiamento da Olimpíada de 2020, cancelamentos de jogos esportivo, shows, fechamentos de cinemas e teatros, todos espaços de aglomeração e ampla socialização. Como em efeito dominó, essas alterações têm repercutido trazendo grandes desafios aos projetos sociais de um modo geral. Um dos principais pontos potencializados pela COVID19 e que chega com força nos projetos sociais é o desemprego e a redução de renda dos profissionais e colaboradores que atuam de maneira remunerada nos projetos, já que muitos desses projetos não conseguem mais se manter, muitas vezes ficaram sem o amparo estatal e da esfera privada, já que sem os eventos esportivos maiores, por exemplo, os projetos sociais esportivos perdem oportunidade de patrocínio.

Esse prejuízo no atendimento dos projetos sociais, associado ao agravamento do desemprego no país, está afetando duramente crianças e adolescentes que eram atendidas nesses projetos. Um cenário trágico em que a taxa oficial de desemprego no Brasil subiu para 13,3% no trimestre encerrado em junho, atingindo 12,8 milhões de pessoas, com um fechamento de 8,9 milhões de postos de trabalho em apenas 3 meses, em meio aos impactos da pandemia de coronavírus. O resultado representa uma alta de 1,1 ponto percentual na comparação com o trimestre encerrado em março (12,2%) e de 1,3 ponto percentual em relação ao mesmo trimestre de 2019 (12%) (Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)).

Esse quadro reforça outra situação, o quadro da fome, vemos esta situação ser apontada pelo novo relatório da Oxfam, “o vírus da fome: como o coronavírus está potencializando a fome em um mundo faminto, em que revela a possibilidade de até 12 mil pessoas morrerem de fome por dia no mundo até o final do ano devido à pandemia, e o Brasil está entre os prováveis epicentros globais da fome.

Compreendemos que a fome é uma preocupação mundial com muitas dificuldades no seu enfrentamento, e o Brasil que por muito tempo esteve compondo esse cenário, saiu do mapa da fome em 2104, e devido a uma descontinuidade das políticas públicas está retornando a este mapa, e a covid-19 vem como catalizadora de situações já vividas pela comunidade internacional e dentro de solo brasileiro como conflitos armados, mudança climática, desigualdades e um sistema viciado de produção de alimentos.

As famílias e atendidos nos programas sociais  sentem fortemente o impacto da fome neste momento de pandemia porque temos milhões de trabalhadores em situação de pobreza, sem recursos para se protegerem durante o necessário período de distanciamento social, perderam sua renda devido à pandemia. Apenas 10% do auxílio financeiro prometido pelo governo federal aos trabalhadores e às empresas, via o Programa Emergencial de Suporte ao Emprego (PESE) foi distribuído até junho. Enquanto isso, grandes empresas obtiveram mais benefícios do governo do que trabalhadores e micro e pequenas empresas.

Contudo, apesar das imensas dificuldades e de estarmos inseridos numa racionalidade neoliberal, que nos atravessa subjetivamente numa forte tentativa de nos colocar na condição de negociantes de nós mesmos, apresentando as relações individualistas de competição como grandes oportunidades de crescimento pessoal/financeiro, ainda e apesar disso, projetos e ações sociais estão resistindo com agendas que vêm ganhando mais visibilidade e ocupando os vazios deixados pela irresponsável gestão do Estado na resposta à crise. São incontáveis as articulações sociais que aconteceram vinculando movimentos sociais do campo e da cidade, na distribuição de cestas básicas, distribuição de máscaras, de livros, formação de agentes de saúde populares, entre outras atuações.

 

 

Referências

https://aupa.com.br/como-a-pandemia-mudou-o-jogo-nas-instituicoes-sociais-ligadas-ao-esporte/

https://www.otempo.com.br/superfc/especializados/ong-s-de-esporte-se-adaptam-para-seguir-em-atividade-durante-pandemia-1.2366121

https://www.canoas.rs.gov.br/noticias/canoas-da-exemplo-no-esporte-em-tempos-de-coronavirus/

https://www.nsctotal.com.br/noticias/acoes-sociais-da-brandili-textil-em-meio-a-pandemia-beneficiaram-mais-de-37-mil-municipios

https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/05/cerca-de-70-milhoes-no-brasil-tem-acesso-precario-a-internet-na-pandemia.shtml

https://forbes.com.br/forbes-insider/2020/05/negros-e-pobres-sofrem-com-exclusao-digital-durante-a-pandemia/

https://www.oxfam.org.br/noticias/mais-pessoas-morrerao-de-fome-no-mundo-do-que-de-covid-19-em-2020/

https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/08/06/desemprego-sobe-para-133percent-em-junho-diz-ibge.ghtml

Comentários

  1. Dados relevantes que não deixam escapatória ao leitor, que não perceber as desigualdades crescentes e, agora, justificadas, pela pandemia. Texto de leitura essencial.

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