Vulnerabilidade Social e o “Novo Normal”: um olhar para corresponsabilidade frente a Covid-19

 

 

Acimar Magalhães

José Henrique Monteiro

Naiane Gonçalves


A pandemia do Covid19 repercutiu e ainda repercuti não só na esfera biomédica mas também, causa impacto social e econômico em escala global. O número crescente de infectados e mortos impacta o sistema de saúde causando maiores prejuízos à população dos grupos vulneráveis, ficando à mercê da sorte. O número de leitos públicos no auge da contaminação são ou eram insuficientes para tanto atendimento e, ai começa a diferença do poderio econômico, pois sobra apenas leitos particulares, impacta ainda na sustentação econômica, no sistema financeiro e da população, causando danos  à saúde mental das pessoas no tempo de confinamento, causa ainda  temor pelo risco de adoecimento e morte, acesso a bens essencial  como alimentação , medicamento  entres outros. Dentro desse contexto de vulnerabilidade, é importante enfatizar, a situação dos moradores de rua, que são uma das populações mais vulneráveis na pandemia do corona vírus, pois são vítimas invisíveis da crise, pouco se sabe sobre como estão se saindo (Infecções / mortes), dificultando o controle e contribuindo para expansão do vírus . Não se percebe por parte do governo federal, Estadual e municipal uma resposta efetiva para controle e cuidados desses grupos.

Para Ayres et al. (2003), a vulnerabilidade social refere-se às condições de bem-estar e qualidade de vida no âmbito social, incluindo questões de moradia, acesso a bens de consumo, liberdade de expressão, processos de inclusão e exclusão em meio as relações culturais, raciais, religiosas, econômicas e de gênero (AYRES; PAIVA; FRANÇA JR., 2012). Considera-se uma pessoa socialmente vulnerável, caso esta não tenha entrada aos direitos comuns como: educação, justiça, emprego, informações e adaptação às mudanças sociais da vida cotidiana. Tal conceito de vulnerabilidade social se desdobra também na limitação de uma pessoa para o enfrentamento de barreiras culturais, sociais e políticas; seja a liberdade tolida por quaisquer tipos de coerções, repressões e/ou segregações (FONSECA, 2013).

 

Importante ressaltar que alguns aspectos devem ser considerados na análise da vulnerabilidade social, como: normas sociais, referências culturais, relações de gênero, relações de raça, etnia, relações entre  gerações, normas e crenças  religiosas, estigma e discriminação, emprego,  salários,  suporte  social,  acesso  à  saúde, acesso  à  educação, acesso  à  justiça, acesso  à  cultura,  lazer  e  esporte,  acesso à  mídia, liberdade de pensamento e expressão, participação política e  cidadania. (FONSECA, 2013, p 33).

            Por base nesses conceitos e desdobramentos  da vulnerabilidade social, parece ser possível se inclinar sob essa mesma ótica para as condições contemporãneas que vivenciamos frente a Covid-19. É razoável pensar que quaisquer pessoas que não possuam acesso aos direitos fundamentais como recursos materiais, direito de permanecer resguardado e amparado em seu lar com sua família; e/ou acesso à dignas condições estruturais na Saúde nesse período de pandemia, encontra-se vulnerável socialmente. Mas, apelando para a corresponsabilidade que temos frente ao agravamento/redução da infecção pelo Coronavírus enquanto sociedade, é preciso enfatizar que a negação da população frente as milhares de mortes e a gravidade dessa quase desconhecida “coisa ‘infectobiológica e históricosocial’” denominada Covid 19, potencializa a vulnerabilidade social perante tal infecção. Os sintomas sociais dessa negação se caracterizam nos rolês, aglomerações, o não uso de máscaras, o desrespeito e descaso com as minorias e as pessoas atreladas aos grupos de risco. Intencionalmente nomeamos aqui a Covid-19 como “coisa ‘infectobiológica e históricosocial’, uma vez que só se torna moléstia infectobiológica porque também é antes constituída nas relações e comportamentos humanos, portanto também de carater social e histórico.

Assim torna-se mais claro o fato de que tanto o Coronavirus como muitas “crises” vivenciadas pela raça humana em toda a sua História e desenvolvimento, são suas próprias produções coletivas. No qual, etimologicamente, o termo Crise, significa: decisão. Mas decidir o que? Para quem e por quem?

A pandemia reforça a ideia de que vivemos uma época na qual as fronteiras entre normalidade e anormalidade se diluem. A vulnerabilidade no mundo contemporâneo é uma expressão das desigualdades produzidas pela opressão e falta de solidariedade e principalmente empatia, o termo “Novo Normal”, expõe essa realidade. Schwarcz (2020) reflete sobre a expressão “novo normal” que tem sido muito utilizada para definir o que estamos vivendo e como iremos nos readequar depois dessa pandemia. Esse novo normal é um conceito muito conservador, que esconde apenas uma ideia de normalidade, o normal vivido pelas classes médias e elites. O que chama atenção é que frases como: Não viajaremos tanto; não compraremos tantas roupas; compraremos menos fast-food; seremos menos consumistas. Entre outras, são narrativas e expressões que correspondem o cotidiano de qual realidade? Qual grupo social se enquadra nesse “Novo Normal”?

Arrisco, portanto, dizer que “normal” é acreditar numa história feita apenas por homens, brancos, de classe alta, e celebrados por seus atos célebres. No jogo do “diz que não diz”, chamamos de “história universal”, uma narrativa que diz respeito aos Estados Unidos e à Europa, e em especial à Europa Central. Ela é a “normal”. Tudo o que escapar da “norma” fica jogado na lata de lixo da exceção e do que “não é normal”. Foi assim com a Revolução Haiti (1791-1804), que cometeu o “pecado” de mostrar ao mundo que escravizados podem (e devem) se rebelar e ganhar o comando de seus próprios países. Mas eles romperam com a “norma” e com o “normal”, e sofrem até os dias de hoje, com as severas consequências. Como dizia o etnólogo Claude Lévi-Strauss, “bárbaro é aquele que acredita na barbárie”. Somos nós. (Lilia Moritz Schwarcz, 2020).

 

E dentro desse contexto, a revista Vogue de maio deste ano, para comemorar os 45 anos da revista, estampou, a modelo Gisele Bündchen usando peças da Prada e Chloe, italiana e francesa respectivamente, em tons claros e uma máscara no pescoço para demostrar o período da pandemia que estamos vivendo, e o título “Novo normal” na capa, com a frase: Simplificar a vida e se concentrar no essencial são os caminhos para um futuro mais ético e saudável. Tal imagem, reflete a falta de consciência e supérfluosidade do nosso País. Novo normal para quem? Essencial para quem?


Figura 01: Gisele no Brasil e o ‘novo normal’ na capa da Vogue

 


Fonte: Metrópole (2020)

Outro exemplo bastante assustador nesse tempo de pandemia e que reflete bem esse “Novo Normal”, foi a propaganda do Enem 2020, protagonizado por jovens incentivando a realização da prova com falas como: “A vida não pode parar! É preciso ir à luta, se reinventar, superar! Estudem de qualquer lugar, com internet, livros! As provas serão no final do ano, até lá, estude! Seu futuro já está aí”. O futuro de quem? É importante estarmos cientes dos nossos privilégios e reconhecermos como a pandemia escancara a desigualdade no acesso à educação. Reproduzir esse discurso de superação e de reinvenção em um País onde existe desigualdade de recursos, de condições para estudar, onde muitos jovens não tem acesso à tecnologia, a internet de qualidade, ou equipamentos minimamente razoáveis para que as pessoas possam acompanhar as aulas. Tragicamente esse é o “Novo Normal”, conceito romântico e idealizado de uma classe social.


Referências Bibliográficas   

AYRES, J. C. R. M. et al. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA, D.; FREITAS, C. M. de. Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 2003.

AYRES, J. R. C. M.; PAIVA, V; FRANÇA JR, I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: PAIVA, V.; AYRES, J.R. C. M.; BUCHALLA, C. M. (coord.) Vulnerabilidade e direitos humanos: prevenção e promoção da saúde. Curitiba, Juruá, 2012.

FONSECA, Aline Arruda da. Vulnerabilidade à AIDS: um estudo das crenças de adultos jovens em contexto universitário. 2013. 180 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal da Paraí­ba, João Pessoa, 2013.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. De Perto Ninguém é Normal (ou o Novo
Normal).Gama Revista, 2020. Disponível em:
https://gamarevista.com.br/sociedade/de-perto-ninguem-e-normal-ou-o-novo-normal/ Acesso em 10 de setembro de 2020.

 


Comentários

  1. Muito boa relação conseguida por este grupo. Os temas elencados são de relevância e requerem posicionamento crítico à respeito. Li com prazer.

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