O QUE SERÁ DA CULTURA PÓS COVID19?

 

Giulia Medeiros

Kleber Gonçalves Bignarde

Valéria C. Ferreira e Silva

  

 

A pandemia por Covid 19 está impactando de alguma forma, todas as sociedades contemporâneas, contudo esses impactos não estão sendo vivenciados do mesmo modo, pois há incontáveis particularidades ao se considerar os elementos estruturantes e conjunturais vividos pelos diferentes grupos sociais em espaços geográficos e culturais específicos. No que tange a dimensão cultural da pandemia, bem como, epidemias em geral, pode-se destacar a produção de representações de corpo biológico e social que tendem a surgir diante da ocorrência de uma nova e mortal doença (DINIZ, 1999) e a partir da qual se constroem definições, narrativas e modos racionais, científicos ou não, de se lidar com o desconhecido.

Ao longo da nossa história, houveram episódios graves de epidemias, sendo quase uma constante na vida dos povos, e o que se nota nesses eventos enquanto traço marcante, é a ambivalência, já que há uma manifestação coletiva, enquanto evento que atinge grupos de indivíduos, alterando seu modo de vida; mas também uma manifestação singular, na medida em que é uma ocorrência única na unidade de tempo e espaço em que se manifesta.

Em cada época, as epidemias, foram doenças emblemáticas que uniram o medo dos sintomas a um sentimento de culpabilidade individual e coletiva, afetando profundamente o bem-estar psíquico ou psicológico dos indivíduos, sendo decorrentes e produtores de sofrimentos e emoções variadas (DINIZ, 1999).

Podem haver inúmeras variáveis sócio culturais que incidem sobre as experiências individuais advindas da atual pandemia, que vão refletir em diferentes respostas emocionais e de comportamentos frente às incertezas de vários tipos que se tornaram perceptíveis atualmente no mundo. Comportamentos estes que estão relacionados a atitudes subjetivas e estruturas mentais, que podem advir da experiência do temor em se aproximar do outro ou da quebra dos rituais tradicionais de enterro dos mortos, por exemplo.

Contudo, essas emoções podem também resultar em comportamentos que evocam as ações coletivas por meio do movimento do coletivismo, onde o bem da sociedade como um todo é colocado acima do bem individual. Este comportamento coletivista é esperado em comunidades que enfrentam situações adversas como catástrofes e quadros epidêmicos, como mecanismo de defesa e sobrevivência.

E com essa proposta de refletir sobre as repercussões da pandemia por Covid 19, observa-se uma proliferação de estudos nas humanidades abordando os efeitos do distanciamento físico, a emergência de novos estados de mal estar, a produção de uma “nova normalidade”, considerando principalmente, a incidência desses aspectos sobre os variados grupos etários e sociais (VENANCIO et al., 2020).

Nos questionamos então, como será esse o “novo normal”? Como se dará os espaços culturais em uma era pós Covid? Quais as consequências de um ano catastrófico para a arte e cultura mundialmente?

É evidente que as consequências do distanciamento social afetaram de maneira considerável os segmentos culturais e artísticos da sociedade. Tendo em vista que a arte se completa a partir da relação com o "outro", o teatro, os espetáculos musicais, o cinema, os museus, as artes urbanas e as diversas manifestações artísticas da cultura popular e contemporânea em geral, foram massacradas pelo novo "normal". Agora esses segmentos precisam se reinventar a partir da mediação dos dispositivos digitais, o que parece ser um tanto difícil compreendendo que esta tecnologia não alcança a totalidade da população mundial.

O que antes se ocupava em alegrar, embelezar e dar emoção à vida das pessoas em seus cotidianos na rua, nas praças, nas galerias e espaços de shows, hoje aparece como um horizonte distante e muito difícil de ser alcançado. Com a falta de contato físico, visual e auditivo com a arte, o mundo fica mais cinza, o entretenimento e a percepção cognitiva que aflora a subjetividade humana se esvai. Sem arte não há possibilidade de esquecimento da objetividade da vida, tanta gente morrendo diariamente e a população não pode sequer se encontrar para fazer o samba do esquecimento. Cada vez mais se afunda em seu ambiente privado e a coletividade se faz a partir da conexão virtual. Mas a arte é a esperança de que a utopia vencerá o medo. Acreditamos que por meio da arte, as histórias de tantos artistas que se foram perpetuarão por muito tempo.

Para tanto, esperamos uma atuação mais incisiva dos agentes culturais pós pandemia, focados no desenvolvimento de uma sociedade mais coletiva, especialmente no universo cultural. É importante o protagonismo destes agentes devido a capacidade de inteligência cultural nos processos de gestão que os mesmos desenvolvem por serem hábeis em comunicar e operar em uma variedade de contextos culturais, compreendendo as diferentes visões de mundo, crenças e comportamentos. A cultura influencia nosso estilo de trabalho, a maneira como socializamos fora do trabalho, como lidamos com desentendimentos e conflitos, e a dinâmica interpessoal entre pessoas de diferentes funções e níveis hierárquicos.

Gestores culturalmente inteligentes, acostumados a liderar equipes diversas em torno de um objetivo comum, levam em consideração os valores e preferências culturais dos membros do time, e ajustam seu estilo de comunicação, a forma de lidar com prazos e cronogramas, e a atribuição de tarefas múltiplas de acordo com cada necessidade. Durante a reconstrução do setor cultural e reorganização social advindos dos efeitos pandemia do coronavírus, a Inteligência Cultural pode ajudar em outros aspectos para uma liderança mais eficaz. Embora a maior parte do mundo esteja lidando com a mesma ameaça, diferentes visões serão observadas. Para manter o respeito, demonstrar empatia e garantir a inclusão, sem deixar de focar na missão do coletivismo, os líderes devem estar atentos ao modo como os Valores Culturais atuam na maneira como cada um percebeu a pandemia e como a mesma pode ser uma oportunidade de construir um ligar melhor.

Observamos uma sensação que de muito pouco adianta a segurança do espaço e dos recursos individuais em um mundo globalizado e permeável a viagens intercontinentais, em cidades que se aglomeram e se adensam vertiginosamente nos transportes públicos, nas comunidades vulneráveis e nas favelas. De pouco adianta ter muito dinheiro para pagar um leito em um hospital, quando todos já estão saturados tratando de milhares de pessoas.

O entrelaçamento entre indivíduo e sociedade, vemos a imbricação vertiginosa entre economia, sociedade e política, desqualificando o discurso neoliberal “de um Estado mínimo”, e cada vez mais a acrescente percepção do fortalecimento de um corpo coletivo.

Esperamos que esse protagonismo cultural nos conduza numa visão crítica progressista, cobrando de si e dos outros um comprometimento maior com o bem-estar social, percebendo o quanto a vida em sociedade significa, muito mais a um individualismo que reflete o conjunto de crenças que incentivam os desvios do comum.


 

REFERÊNCIAS

DINIZ, Ariosvaldo. da S. (1999). EPIDEMIA: história epistemológica e cultural de um conceito. REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - POLÍTICA & TRABALHO, 15, 179-192.

 VENANCIO, Ana Teresa A., FACCHINETTI, Cristiana. & e EDLER, Flavio C. Mal-estar psíquico na pandemia: aspectos sócio culturais.

http://www.coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1837-mal-estar-psiquico-na-pandemia-aspectos-socio-culturais.html#.X2e5Z2hKjIU em 14/08/2020

https://forbes.com.br/colunas/2020/03/entenda-o-que-a-psicologia-cultural-tem-a-dizer-sobre-o-coronavirus/

https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2020/03/28/interna_cultura,1133266/pandemia-nos-faz-questionar-nocao-de-individualidade-diz-filosofo-da.shtml

Comentários

  1. Interessante como o texto consegue passar de uma introdução genérica para pontos tão específicos como a questão dos sentimentos das pessoas, uma vez que a pandemia impede os rituais. Muito apropriada conexão.

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